Mães empreendedoras no cooperativismo

Mães empreendedoras no cooperativismo

O cooperativismo ajuda a transformar a vida de milhões de mães em todo o Brasil e coleciona histórias muito inspiradoras

"Assim como uma mãe, o cooperativismo não deixa ninguém para trás". A frase é de Celma Grace de Oliveira, uma mãe cooperativista inspiradora que transformou a dor em força para tirar um sonho do papel e fundar a Bordana, uma cooperativa que transforma a vida de 29  mulheres e mães em Goiânia.

“O cooperativismo tem muito a ver com ser mãe, por não deixar ninguém para trás; por estar sempre olhando para o outro. Uma mãe quando empreende, quando começa a ter resultado financeiro, ela pensa muito na família, e pensa também na comunidade”, compara a fundadora e presidente da cooperativa.

A história da Bordana começa em 2007, quando Celma teve que superar a maior dor que uma mãe pode imaginar: a perda da filha, Ana Carolina, de 10 anos, vítima de leucemia.

“Sempre digo que foi uma transformação da dor em amor. Não é a dor que faz a nascer a Bordana, é o amor. A Bordana nasceu do amor incondicional de uma mãe. O amor que eu sempre dediquei à minha filha. Eu quis continuar dedicando a ela, mas estendendo também para outras mães, para um projeto coletivo”, lembra.

A inspiração de Celma para criar uma cooperativa de bordadeiras veio do sonho da filha, que queria ser designer de moda, e também da própria mãe, costureira e bordadeira que criou os cinco filhos com a renda dos trabalhos manuais. “O sonho de transformar o mundo de alguma forma, de um trabalho coletivo, sempre foi muito presente na minha casa, na minha família. E quando a Ana Carolina faleceu, fui buscar esse sonho nos sonhos dela, que era ser designer de moda e também contribuir, colaborar com a sociedade.”

A escolha pelo modelo de negócio do cooperativismo, segundo Celma, também teve a ver com a vontade de construir um mundo mais justo. Em 2001, quando era presidente da associação de moradores do bairro onde morava, ela teve o primeiro contato com a economia solidária e o cooperativismo. No começo, ela chegou a pensar em formar uma cooperativa para fabricar e vender bolos de arroz (quitute tradicional na culinária goiana), mas a ideia não foi para frente. A experiência serviu para que Celma estudasse e buscasse apoio para a fundação da Bordana anos depois, em 2009.

SONHO BORDADO A MÃO

“Sempre sonhei, sempre tive essa utopia de realmente querer trabalhar coletivamente para melhorar a vida não só da comunidade, mas da sociedade de modo geral. Mas eu sabia que não dava para criar uma cooperativa só com o sonho, só com a vontade, precisava ter o mínimo de estrutura. Lembrei da experiência de 2001 e soube que teria que começar algum empreendimento que fosse viável, e aí veio o fator financeiro porque para começar uma cooperativa de bordado só precisávamos de linha e tecido”, recorda.

Os primeiros insumos foram comprados com dinheiro da venda de um livro que o marido de Celma escreveu na época para elaborar seu luto pela perda da filha. Quase 15 anos depois, a Bordana tem 29 cooperadas mulheres – quase todas mães e algumas delas avós – e dois cooperados homens.

Das linhas e agulhas que se cruzam nas mãos das bordadeiras cooperadas saem flores, árvores e pássaros do Cerrado. Os bordados estampam roupas, almofadas, bolsas, acessórios e outros produtos vendidos em uma loja colaborativa de um shopping de Goiânia e para todo o Brasil por meio do Whatsapp. A cooperativa está entre as 100 unidades de produção artesanais mais competitivas do país, de acordo com um ranking do Sebrae.

AFETO E RECONHECIMENTO

Além da geração de emprego e renda, a Bordana também é um lugar de encontro, de afeto e de reconhecimento. E principalmente, segundo sua fundadora presidente, de empoderamento e de dar visibilidade ao trabalho de mães e mulheres que não puderam entrar no mercado formal porque dedicaram a vida ao trabalho doméstico.

“Nossa cooperada mais velha, nossa matriarca, tem 83 anos, teve 11 filhos", conta. Segundo Celma, antes de entrar na Bordana, essa senhorinha sorridente tinha vergonha de escrever em formulários que era "do lar" — uma história que só mudou quando ela entrou na cooperativa, aos 70 anos.

"Agora, quando alguém pergunta o que ela faz, essa cooperada afirma com muito orgulho: 'sou bordadeira. Eu tenho uma profissão’”, diz Celma.

Assim como essa cooperada, a maior parte das mulheres da Bordana eram mães e donas de casa sem perspectiva de chegar aos espaços de decisão e de poder. "Graças ao cooperativismo, todas elas puderam sair do ambiente doméstico. Hoje, inclusive, algumas são diretoras da cooperativa”, acrescenta.

Cooperada da Bordana desde o primeiro dia, a bordadeira Margarida Montes Tavares também viu a vida mudar e ganhar novas cores por meio do trabalho e convivência com outras mulheres na cooperativa. 

“Quando a Celma nos apresentou a ideia de criar uma cooperativa, eu senti que era uma proposta em que eu poderia participar, pois já sabia alguma coisa de bordado e poderia ser útil em colaborar, feliz em ter algo para fazer fora de casa, pois eu já estava aposentada e viúva. Gosto muito de estar na cooperativa, da sociabilidade, de estar junto e conhecer histórias de outras pessoas, aprender coisas novas, ensinar e fazer parte de uma história de superação da Celma e de outras mulheres”, conta. 

Mãe de dois filhos e avó de cinco netos, Margarida diz que a cooperativa lhe trouxe mais que um trabalho e renda e que a ajudou a melhorar a autoestima e valorizar os momentos de alegria com as pessoas que ama. “Como mulher bordadeira, posso expressar minha essência no bordado. Como mãe, me sinto realizada, como avó, me sinto coruja. Só gratidão em fazer parte desses 15 anos na cooperativa, ensinando e aprendendo.”

INCLUSÃO NO PARTO

Além de Celma, há milhões de mães brasileiras com histórias de vida interligadas ao cooperativismo, e algumas delas já contamos na Revista Saber Cooperar. Entre elas, uma foi especialmente emocionante: a  de Alani Cristina Melo.

Surda desde o nascimento, ela se casou com Claudinei Melo, também surdo e, em 2018, quando esperavam a primeira filha, procurou a Unimed Catanduva, em São Paulo, para ter acesso ao pré-natal. Na cooperativa, Alani encontrou muito mais que o atendimento médico que buscava. Sensibilizada com a história do casal, a equipe da Unimed se mobilizou para oferecer um pré-natal 100% inclusivo, com intérprete de Libras (Linguagem Brasileira de Sinais) inclusive durante o parto.

Todo o trabalho foi feito para tentar traduzir de alguma maneira para Alani sensações que ela não poderia ter, como a de escutar o coração do bebê em uma ecografia ou ouvir seu choro na hora do nascimento.

Assim como outros casais que fazem o pré-natal na Unimed Catanduva, Alani e Claudinei participaram de um curso gratuito de preparação para a chegada dos bebês oferecido pela cooperativa. Mas no caso deles, com um diferencial muito especial: o acompanhamento de uma intérprete de Libras da Unimed, que não os deixava perder nenhum detalhe das aulas e também acompanhava as consultas com o obstetra.

Depois de nove meses de gestação tranquila, chegou o dia tão esperado do parto: 8 de maio de 2019. Médicos, enfermeiras e equipe técnica do Unimed Hospital São Domingos (UHSD), que pertence à Unimed Catanduva, receberam a pequena Elaine e entraram para a história por participar do primeiro parto com tradução em Libras feito na instituição.

A arte-educadora Nani Oliveira foi a responsável por transmitir ao casal a emoção da chegada ao mundo da filha. “Nunca presenciei um momento de tanto amor. Imagine a emoção de poder transmitir a uma mãe o primeiro choro de sua filha e descrever como era forte e vigoroso. Chorei por estar ali. Aquele momento foi um presente para mim e para todos”, lembra.

Alani chorou junto à intérprete quando entendeu os sinais. Claudinei, que também estava na sala de cirurgia, se emocionou. “A minha filha é linda”, gesticulou, em sinais. Elaine nasceu com 48 centímetros e pesando 3,2 quilos. Uma menina saudável, que escuta perfeitamente. Por ter pais surdos, é educada em duas linguagens: a verbal (português) e a não verbal (Libras).

Inspirada na experiência da família de Alani, Claudinei e Elaine, a Unimed Catanduva decidiu ampliar o atendimento em Libras da unidade e desde 2019 investe na capacitação de seus cooperados para garantir uma atenção mais inclusiva. Leia a história completa da Edição 27 da Revista Saber Cooperar.

Histórias como a da Celma e da Alani estão espalhadas por todo o Brasil, porque o cooperativismo transforma a vida de milhões de mães em todas as partes, nas pequenas cidades e nas metrópoles, seja em pequenas cooperativas de artesanato, no campo ou em grandes centrais do cooperativismo financeiro ou de saúde.

Segundo dados do Anuário do Cooperativismo Brasileiro, em 2021, as mulheres representavam 40% dos 18,8 milhões de cooperados, ou seja, 7,5 milhões, entre elas, certamente, muitas mães e chefes de família.

Nos ramos Saúde e Consumo, o percentual de mulheres no total de cooperados é ainda maior: 46% e 45%, respectivamente. No ramo Crédito, são 43%. Na distribuição por estados, a participação feminina entre os cooperados supera a masculina no Ceará, em que as mulheres são 56% dos cooperados