O coop é pop

Brasília – Nos últimos anos ele vestiu atrizes para o tapete vermelho de prêmios do cinema internacional. Esteve no Vaticano, onde foi elogiado pelo próprio Papa Francisco. Participou do Prêmio Nobel da Paz. Fez até uma ponta em novela do horário nobre e firmou parceria com grandes nomes do design brasileiro. Poderíamos estar falando de algum artista, mas estamos falando de um velho conhecido: o cooperativismo. “As cooperativas são inovadoras e criativas, e promovem uma matemática em que 1+1 é igual a 3”, disse o Papa Francisco no início de 2018 após encontro com dirigentes de cooperativas italianas. Na ocasião, ainda destacou como o cooperativismo transforma realidades sociais e combate práticas de mercado injustas. Mas essa não foi a primeira vez que Francisco mencionou o cooperativismo. Em 2015, associou o princípio da solidariedade – parte da doutrina social da Igreja Católica – com o trabalho das cooperativas e elogiou sua busca “pela relação entre economia e justiça social” observando “sempre a pessoa e não o dinheiro”. Mais cedo, no mesmo ano, ele já havia afirmado que cooperativas “têm enfrentado as dificuldades da crise econômica com os seus meios, unindo forças, e não às custas de outros.” No Brasil, em 2016, a mensagem cooperativista chegou às casas de milhões de telespectadores que acompanharam a novela Velho Chico. Na trama, o protagonista Santo (interpretado por Domingos Montagner) foi eleito presidente de uma cooperativa de pequenos produtores agrícolas que enfrentava os desmandos de um coronel. Quando Santo desapareceu, seu filho Miguel (Gabriel Leone) passou a liderar a cooperativa, enfatizando o desenvolvimento sustentável. “Você concorda em continuar produzindo do jeito convencional? Jogando veneno na terra? No rio? Extraindo o resto de vida do solo?”, questionava em cena. Além de estar na pauta do dia, o cooperativismo tem mostrado sua popularidade com o interesse crescente de personalidades, empresas e entidades do terceiro setor, que cada vez mais buscam se associar ao que as cooperativas defendem: comércio justo, desenvolvimento econômico com responsabilidade social e sustentabilidade. A atriz Emma Watson, embaixadora da boa vontade das Organizações das Nações Unidas (ONU) costuma ir a eventos de gala com vestidos feitos por marcas “eticamente responsáveis”. Ou seja, marcas que evitam promover sofrimento e desgaste no processo de fabricação de seus produtos, levando em consideração tanto recursos naturais, quanto humanos. Uma de suas parceiras é a Zady, marca parceira de cooperativas que produzem tecidos na Índia e em fazendas de orgânicos nos Estados Unidos. A Fundação Nobel — responsável pelos prêmios Nobel da Paz, de Química, Física, Medicina e Literatura — também contrata, desde 2015, duas cooperativas mineradoras colombianas para fazer suas medalhas: a Codmilla Cooperativa e a Cooperativa Agromineradora de Iquira. “É um reconhecimento do trabalho árduo, porém decente, que estamos fazendo em uma comunidade tradicional mineradora para garantir o sustento de nossas famílias e o desenvolvimento de nossas comunidades. Todos os dias arriscamos nossas vidas nas profundezas das montanhas; além disso, é um desafio viver em paz em um país com tantos conflitos”, afirmou Harbi Guerrero, membro da Codmilla, por ocasião do segundo ano de fabricação das medalhas do Nobel. Com a repercussão gerada pelo prêmio, ambas as mineradoras passaram a ser contratadas por marcas de joias eticamente responsáveis de todo o mundo.   Design cooperativo No Brasil, no coração da Amazônia, uma cooperativa vinculada ao Sistema OCB chamou a atenção de alguns dos maiores designers de móveis brasileiros da atualidade. Desde o início de 2017, a Cooperativa Mista da Floresta Nacional dos Tapajós (Coomflona) tem recebido artistas brasileiros de renome internacional para sessões de capacitação e eventuais parcerias comerciais. Até março de 2019, pelo menos dez designers, como Leo Lattavo (Lattoog), Zanini de Zanine (Studio Zanini), Carlos Motta e Paulo Alves, terão feito a imersão de troca de conhecimentos com os cooperados. Os cursos são ministrados em parceria com o Instituto BVRio, uma ONG do setor ambiental. Todos os 203 cooperados da Coomflona são moradores tradicionais da floresta ou indígenas. Eles fazem manejo florestal comunitário, com o foco principal no manejo madeireiro, e tiveram a ideia da parceria ao observar que em grandes centros brasileiros há interesse e demanda por produtos sustentáveis, tanto do ponto de vista ambiental quanto do social. Uma descoberta feita quase por acaso, quando os cooperados buscavam maneiras de aproveitar 100% da madeira extraída da floresta de forma sustentável. De acordo com o analista ambiental da Coomfl ona, Angelo Ricardo Chaves, a primeira tentativa nesse sentido ocorreu com a abertura de uma loja de móveis produzidos com pedaços de madeira em formato natural. O estabelecimento foi aberto em Santarém (Pará) com recursos de um programa do governo federal para a geração de renda para as populações de unidades de conservação federal. As vendas, no entanto, não foram tão bem quanto o esperado. “Vimos que em Santarém não havia vantagem em vender, pois o pessoal aqui não valorizava tanto o aspecto sustentável. A região tem muitos móveis feitos a partir de madeira ilegal ou com madeira não certificada, que são mais baratos justamente por não respeitarem a natureza”. A Coomflona, ao contrário, tem certificação FSC —sistema de garantia internacionalmente reconhecido, que identifica produtos madeireiros e não madeireiros originados do bom manejo florestal. Ao perceberem que não tinham demanda local, os cooperados começaram a procurar parceiros na Região Sudeste, na qual acreditavam que os produtos com certificação ambiental seriam mais valorizados. “Fomos buscar parcerias para desenvolver um projeto de promoção comercial. Não queríamos apenas compradores, mas pessoas que entendessem que a nossa madeira vem de uma comunidade tradicional, que é certificada, e cujo manejo preserva a floresta, zela por suas populações e gera benefícios socioambientais. Queríamos pessoas que entendessem todo o valor por trás desse trabalho”, explica Angelo. Ao longo dessa busca, alguns cooperados participaram de uma oficina da BVRio. Lá, surgiu a ideia de levar designers para a cooperativa. O projeto Design & Madeira Sustentável foi formatado com o objetivo de levar esses profissionais para transmitirem seus conhecimentos sobre a criação de móveis para a região. Em muitos casos, desses encontros surgiram novas e produtivas parcerias comerciais.   Um outro olhar O designer paulista Paulo Alves esteve na Coomflona em junho de 2018 e desenvolveu peças como mesa de jantar, mesinhas e bancos utilizando galhos e pranchas costaneiras — primeiras pranchas a serem retiradas quando se fatia uma tora. Esses materiais são geralmente descartados, por serem irregulares e de difícil aproveitamento em produções convencionais. “A ideia era provocá-los e mostrar possibilidades. Queria que olhassem para a madeira e imaginassem como seria possível criar uma cama, uma cadeira. Ao final da minha estadia, um dos madeireiros me falou: ‘Nunca mais vou conseguir olhar para um galho sem pensar em tudo que dá pra fazer a partir dele’. Isso para mim é o mais interessante”, recorda o designer. Ainda segundo Paulo Alves, mais do que simplesmente criar uma dinâmica em que a cooperativa forneça mão de obra, o projeto busca capacitá-la a produzir suas próprias peças de design. Ângelo, analista ambiental da Coomflona, confirma que o principal objetivo é promover “o empoderamento da comunidade por meio da sua história de lutas, de decisão e de território”. Animado, ele conta como foram os primeiros resultados da parceria com Paulo Alves: “Ele acabou desenhando um projeto sofisticado para a gente desenvolver; fizemos um protótipo e fomos a São Paulo para visitá-lo e acompanhá-lo numa feira de design. Ele nos disse que estamos preparados para competir no mercado nacional, para estar com grandes designers. Foi legal ver que o nosso trabalho não tem sido em vão e que estamos oferecendo o que pessoas que têm consciência ambiental estão buscando.”   Marketing Social O pesquisador de marketing e cooperativismo Rumeninng Abrantes, professor da Universidade Federal do Tocantins, considera que, ao divulgar ações que naturalmente já adotam, as cooperativas acabam por melhorar sua imagem perante a sociedade. Em paralelo, conseguem agregar valor aos seus produtos. “O sétimo princípio do cooperativismo, o interesse pela comunidade, é um tipo de marketing social. Então algo que as cooperativas já fazem como obrigação, como princípio, pode fazer com que elas sejam vistas com outros olhos”, explica. Essa é a aposta da Coomflona: focar no consumo consciente como uma tendência que os consumidores mais atentos já têm buscado. Além das sessões de capacitação, o projeto Design & Madeira Sustentável prevê a participação em feiras de negócios, a realização de uma exposição em 2019 e a produção comercial de algumas peças. Carlos Motta, o primeiro designer a visitar a Coomflona já colocou no mercado uma linha de 12 bowls e 3 modelos de bancos produzidos na Coomflona. A cooperativa trabalha, agora, na implementação de uma serraria para proporcionar melhores tratamentos e finalização às peças e para aumentar a escala de produção. Atualmente, desenvolvem-se apenas peças sob encomenda; designers, hotéis e construtoras são seus principais clientes.   Negócios criativos A popularidade do cooperativismo pode ser vista também no maior interesse de setores pouco convencionais pela filosofia cooperativista. Nos Estados Unidos, têm surgido, nos últimos anos, cooperativas de escritores em que autores de ficção, jornalistas e redatores se unem para discutir formas de publicação, modelos de trabalho e gestão de direitos autorais. Na Cooperativa de Escritores do Nordeste do Pacífico, por exemplo, os cooperados promovem sessões de capacitação em escrita, marketing e autopublicação. Eles também organizam encontros semanais e fazem revisões e leituras críticas dos trabalhos uns dos outros, como forma de aprimorar sua redação. A sede fica em Everett, no estado de Washington, mas há cooperados de outras localidades, já que grande parte dos cursos e reuniões é transmitida online. No Brasil, já começam a haver cooperativas de escritores no Paraná e em São Paulo. Os objetivos são parecidos com os da cooperativa norte-americana, além de viabilizar a impressão gráfica de livros. Por aqui, quanto mais exemplares se imprime, mais baixo fica o custo de impressão — o que é importante para autores independentes. Portugal também é um bom exemplo de artistas que se unem em cooperativas para implantar soluções inovadoras para questões específicas da classe artística. A cooperativa GDA (Gestão dos Direitos dos Artistas), fundada em 1995, atualmente faz a gestão de direitos autorais de mais de 4 mil músicos, bailarinos e atores no país. A cooperativa cuida não só dos aspectos legais e contábeis dos associados, mas também promove gestão democrática e cria modelos que atendem aos cooperados. No início de 2018, por exemplo, a GDA lançou uma plataforma tecnológica digital para contabilizar as execuções de músicas portuguesas em 45 países. A promessa é reduzir para nove meses o prazo de pagamento de direitos autorais que geralmente, levavam dois anos para chegarem à conta dos artistas. Em 2010, a cooperativa lançou a Fundação GDA, uma entidade que promove cursos, exposições e prêmios no país, sempre com finalidade artística e social, estimulando a formação de público e a valorização da música e das artes cênicas no país europeu. De acordo com o professor Rumeninng Abrantes, há uma tendência de aproximação entre o cooperativismo e empreendimentos criativos nos últimos anos, principalmente em países europeus e nos Estados Unidos. Isso se nota, especialmente, na organização de “cidades criativas” que são cidades, ou até mesmo bairros, que exploram seu potencial cultural para alavancar a economia. “As cidades criativas são aquelas que desenvolvem seus meios artísticos, culturais e de lazer para se tornarem atrativas aos olhos de novas populações e novos consumidores. Com isso, atraem mais pessoas e geram mais recursos e renda. Cooperativas de trabalho, como organizações de artesãos, e cooperativas de pequenos agricultores têm participado dessas iniciativas e se beneficiado”, explica. Ainda segundo ele, no Brasil o conceito vem começando a ser explorado em cidades que realizam eventos culturais anuais, criando um fl uxo estável de turistas. Mas falta investimento. “É preciso que os governos municipais, estaduais e federal dialoguem para alavancar essas iniciativas e para incluir cooperativas nessas atividades de turismo e lazer”, defende. Essa seria mais uma forma de aproximar o cooperativismo dos brasileiros e mostrar que ele já é pop — inovador, criativo, com boa imagem e reputação, e dinâmico   Tem Coop também nas novelas  
  • Velho Chico – Na trama da Rede Globo de 2016, a cooperativa era o centro das disputas entre o coronel Saruê (Ântônio Fagundes) e um grupo de pequenos agricultores liderados por Santo (Domingo Montagner). Enquanto o primeiro buscava lucrar às custas da exploração dos produtores e dos recursos naturais da cidade fictícia de Grotas de São Francisco, os produtores se uniram para promover o comércio justo e a sustentabilidade.
  • Mulheres de Areia – Esse clássico de 1993 mostrou principalmente a disputa entre as gêmeas Ruth e Raquel (vividas por Glória Pires), mas quem assistiu deve se lembrar também do núcleo de pescadores explorados por Donato (Paulo Goulart). Dono da maioria dos barcos da região, ele cobrava até pelo óleo usado nas embarcações, manipulando pescadores para não lhes repassar seus devidos ganhos. Os pescadores associaram-se e a experiência inspirou a criação de cooperativas na vida real, entre os pescadores de Itanhaém (SP), onde a novela foi gravada.
  • Agora é que são elas – O mote da novela de 2003 foi a independência feminina conquistada, em parte, por meio de uma cooperativa. Tudo começa a partir da insatisfação dos moradores da cidade fictícia de São Francisco das Formigas com seu prefeito incompetente. Lideradas por Léo (Débora Falabella), as mulheres unem-se em uma cooperativa de trabalhadoras para mover a economia local. Enquanto os homens passaram a cuidar das atividades domésticas, elas garantiam a movimentação da cidade e o sustento financeiro das famílias.
  Fonte: Revista Saber Cooperar (edição nº 24)

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